Arte e cidadania

Javier de la Cueva
Tags: Conferencias.

Ofrecemos la intervención de Gilberto Gil, Ministro de Cultura de Brasil, en la Conferencia sobre Arte y Ciudadanía en la apertura del Forum Cultural Mundial el día 25 de noviembre de 2006 en Río de Janeiro (Brasil).

Arte e Cidadania

Bom dia a todos.

Gostaria em primeiro lugar de saudar este Forum, esta vasta plateia, meus colegas de palco, colegas que ocupam esta ágora que será nos porximos dias ocupada como um espaco vazio teatral e que ganha com poucos elementos uma vida enorme e agitada, densa em idéias, imagens e capacidade de formular novas e necessárias perguntas.

Este forum que será nos proximos dias vivenciado, tecido por cada um de vocês, por cada um de nós, e que vai fazer a agenda da cultura vibrar por meio de conversas e por meio desta rede que se amplia a cada dia.

O tema de hoje é a relação entre arte e cidadania – talvez a relação mais ampla e mais necessária a fazer, um arco que cobre todas as mesas, desafios, discussões que esse forum irá realizar.

E este tem sido um dos nossos principais motes no Ministério da cultura do Brasil – um item regulador de nossas acoes e um mantra no plano do discurso.

Temos falado na REFUNDAÇÃO (ou mesmo efetiva fundação) de um Ministério da Cultura, nos moldes organizacionais complexos que este passou a ter a partir da ampliação de suas responsabilidades, de alguns anos para cá; essa ampliação, ALIÁS, durante a nossa gestão à frente deste Ministério, foi uma ampliação de motores endógeno e exógeno, par-e-passo, definida por um movimento de risco e desafio e, ao mesmo tempo, acompanhando pressões e movimentos naturais da complexificação do ambiente cultural nacional produtor (ou produtivo).

Essa refundação nasce entre outros aspectos da assimilação da cultura como cidadania. Fizemos muitos programas culturais e sociais para os artistas mais vulneráveis do Brasil. Quero comecar por destacar que neste primeiro mandato, sob este Ministério e essa gestão, tenhamos criado uma estratégia para a previdência cultural no Brasil – o culturaprev. Partimos da arte para uma compreesao pratica do que é cidadania, uma forma de entender a cultura não apenas como a conagração, o apluaso, o reconhecimento com todo o conforto – mas de reconhecer o direito dos artistas mais humildes, dos excluidos dos sistemas de circulação, dos mais precarizados, direito de ter uma vida digna em cada um das fases de sua vida – incluindo a maturidade.

Qaundo falo do Culturaprev sempre me vêm a mente Mestre Bimba e Mestre Pastinha que trabalharam e sempre foram disciplinados homens do saber e da responsabilidade de transmitir sua maturidade aos mais jovens. E – desde o fim da escravidão - o Estado brasileiro esteve de costas para mestres do saber como eles.

Quero lembrar deles – aqui e agora - porque a capoeira talvez seja uma das maiores presenças do Brasil no mundo, uma das razões elas quais o Brasil é admirado, visitado, amado. Uma das razões porque somos conhecidos no planeta e somos predestinados a não temer a globalização porque nossas invencões tem o dna das hibridizações da era global – como a capeoria que nasce da matriz africana num território novo e já povoado a partir de encontros diversos. Eis meu afeto pleno a capoeira e seus mestres: uma das razões que realizam a singularidade brasileira plenamente.

São centenas de milhões de capoeiristas pelo mundo – quase uma população como a brasileira. São mais de vinte mil – por exemplo – em Israel. A capoeira se espraiou pelo mundo apesar do estado – como mestres que chegaram a esses países as vezes analfabettos que que se congraram pela força da sobreviência, da luta cotidiana, sem qualquer apioio do Estado brasileiro.

Isso começa a mudar a partir do momento que incorporamos a noção de cidadania, a sociedade como horizonte final das politicas culturais. Daí a improtância de - entre outras coisas – aprofundar a revitalização de instituições com o Instituto do Petrimônio Histórico e Nacional. – o IPHAN. Instituição chave – reponsável pela memória dos brasileiros - criada por Mario de Andrade em 1937 e que hoje estamos reequipando e recuperando seu necessário protagonismo. Hoje, 222 funcionarios novos entram no Iphan pelo concurso que conseguimos realizar depois de mais de vinte anos. São funcionários que vem dar sangue novo para que essa instituição responsável pela memória possa relacionar todo nosso patrimônio com a cidadania. É o expresso 222 do Iphan.

Seguindo esse exemplo, a partir do IPHAN, reconhecer a capoeira dentro do Estado tem consequencias para além do discurso. Hoje, um capoeiristas não pode dar aula na sua comunidade. A escola – equipamento disponível na ponta de cada parte do Brasil - não reconhece os capoeiristas e mestres de tantas outras áreas da cultura brasileira. Essa é uma limitaçao de cidadania, de direitos e prática reais.

Para mudar esse quadro, estamos trabalhando hoje com o Ministério da Educação para que os reconhecimento da capoeira em todo sistema de educação formal no Brasil, e também da culinearia brasileira, dos saberes imateriais, e seus mestres informais, que eles possam ser finalmente reconhecidos como portadores de saber, como portadores de conhecimento, que possam envelhecer transmitindo saber aos mais jovens.

E podemos ir além ao observar a necessidade de uma visão mais ampla de cidadania no caso das populações indigenas. Não uma cidadania pré-moldada, abstrata, uma cidadania que se adapte a uma cultura que impactou todos os brasileiros com uma cosmovisão da natureza, do corpo, de repouso, uma civilização que mapeou e nomeou um vasto território, domesticou plantas e frutas e elaborou durante séculos nossos abundantes e nutritivos hábitos alimentares que são exportados e motivos de turismo. Uma cultura que impactou habitos arquitetonicos e linguisticos da vida de cada brasileiro – de origem indígena ou não – com uma visão esteticamente avançada de musicalidade e uso do tempo livre que hoje agregam valor a várias áreas da economia da cultura e de outros setores da economia. Hoje este reconhecimento dos saberes tradicionais como tecnologia avançadas começa a impulsionar um redesenho do próprio Estado brasileiro.

Estes saberes desafiam uma redefinição de economia, de cultura, de propriedade intelectual e de valor. A cultura está no centro das demandas globais. O planeta busca hoie uma vida mais saudável e integrada com a natureza. Onde está o valor, senão na alta tecnologia imaterial destes conhecimentos que cabe ao Estado reconhecer como tal? Como garantir que a produção de riqueza advinda destes conhecimentos ligados a biodiversidade ajudem a criar emprego e renda entre as populações que lhe deram origem?

No Ministério da Cultura estamos de um lado criando formas de registro dos saberes brasileiros, o saberes “fora da escola” das populações mais humildes porém sofisticadas, formas de reconhecimento que possam repercutir em todo o sistema de ensino, para garantir a transmissão de saberes dentro de todo o ensino formal. E também, de outro lado, flexibilizando formas de registro autoral rígidas demais e que acabam limitando o acesso das populações e dos artistas a seu direito de exercer o acesso e a difusão ampla a bens culturais industrializados.

A repercussão da noção da cidadania chega inclusive aos direitos autorais e as formas de circulação que são reguladas hoje por regras de propriedade intelectual. Onde houver assimitrias grandes, a cidadania se ofusca, perde plenitude. A cultura circula menos, pelo filtro de marcos jurídicos ultrapassados e que punem o direito fundamental de acesso ao conhecimento. Vemos assim que a discussão de arte e cidadania, se levada com profundidade, repercute em nossas políticas, em nossa percepção de qual é afinal A AGENDA.

O direito à Cultura não se apresenta como apenas um direito ao consumo (o direito de consumirmos “cultura”, espetáculos, artes, entretenimento, serviços): o “direito à cultura” é o direito de acesso a identidade, a portabilidade de cultura, de expressão e livre trânsito.

O direito à Cultura – quero frisar muito isso – deve ser pensado como acesso à formação, e articulado como tal.

Acredito que esse seja o lugar por excelência para falarmos sobre isso. E aqui, deve se falar em Arte: implosão da Cultura, também pela força dissolvente da experimentação, da distruição criativa de paradigmas, da invençano de novos lugares de olhar e sentir. A cultura, nesse caso, aparece como regra, e a arte como sua necessaria excessão.O artista que elabora, trabalha (re-elabora) a tradição só o faz porque a conhece. A cultura como um bem e como um direito (as duas juntas) impisuiona hoje um programa para a CULTURA (e as ARTES) nas ESCOLAS, um programa educacional para a CULTURA, programas de conteúdos que muitos de vocês têm enorme experiência em fazer acontecer. Penso que há coisas, agora, cujo avanço para nós depende de podermos reatar velhos laços com o Ministério da Educação e o sistema educacional do País, construir desejadas pontes e corrigir os danos (in)conseqüentes de um divórcio que deixou muitos orfãos.

Por isso, com o espirito de Forum em mente, prefiro terminar com perguntas, com questões que podemos começar a responder a vivenciar nas políticas culturais de nossos países….

Se a cidadania se realiza no acesso, por que não falamos mais e mais em universalização desse direito, como ocorre em outras políticas?

Como podemos gastar menos tempo, ser mais rápidos ao reconhecer todos estes direitos culturais secularamente abandonados?

O direito cultural se esgota na produção, ou chega também a circulação?

Podemos atingir um bom equilíbrio entre direitos de autor, direitos de investidores, e direitos de cidadania, de quem quer ter acesso?

São questões que podem provocar o debate, provocar este Forum.

Obrigado.